Das Galerias.(Parte IV)
Sagrados doze budas estavam internos à poça negra que tomava os horizontes da sala circular, eu ousei meus primeiros passos para dentro do líquido devorador e um frio cristalizante foi insensibilizando minhas carnes, e mesmo assim eu continuava, jogando para o alto as minhas mãos e o candeiro, o fogo iluminava bem o teto lodoso do recinto, e quando estive lado a lado com um dos rostos sorrindentes de uma das imensas estátuas, eu senti seu olhar cego para dentro de mim, e isso vi:

Cinco castelos construídos com os metais preciosos roubados um a um dos alquímicos mundos dos magos viajantes, em cada caravana, quando se olhava para o céu eles perdiam um pouco do pó metálico que traziam dos orientes de seus mapas, e eu vi, bem de perto o vento levantar as partículas negras e vermelhas dos sacos de pano velho, e melindroso vir até os montes secos entregarem aos serviços dos camaleões e serpentes, o material para a Obra em Mim. Vi palácios de ouro e prata nos olhos dos répteis, vi também espelhos e luz na ocular de cada feiticeiro que perscrutava as estrelas, vi e enxerguei profundamente os brilhos, nos olhos dos que perdem, nos olhos dos que roubam, e nos meus, os ganhadores, A Obra.

E era de metal.

Pesado ficou meu coração, e por um correr de segundo, me tornei o fundo do recinto, frio e molhado, eu senti a cama da morte quando o brilho da moeda me pareceu injusto, e vi de novo o caminhar da caravana, o pó se esvaindo com o vento, e os répteis dizendo-se em trabalhos necessários. Mas não vi a mim, nesta Obra, fiquei solitário na estrela.

Pela ocular dos alquimistas, eu segui viagem, o candeiro me avisou que a caminhada prosseguia, uma lágrima negra não me venceria, então fui, dentro do manto novo da valorização, dentro dos olhos mágicos de quem busca o fogo, longe do abraço mentiroso, esse clamor dos budas ao nada, eu passei pelas águas da morte em vida, e segui até o outro lado da sala, onde haviam cinco castelos desenhados na parede, iluminados por uma chama que se tornara azul ainda em minhas mãos.

Há um pedestal ao lado da porta final, e sobre ele um camaleão de pedra com uma chave na boca.

Mas tal como a porta de entrada, a de saída não tinha fechadura.

Doze são os budas chorosos dentro de uma lágrima negra, de costas às portas de um reino quintuplo castelar. O que destranca a chave?
15:56

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

A sagrada atmosfera do cortejo simbólico orientalista confere, ao quarto estágio, a escalada da transmutação alquímica espiritual nas galerias, meu Garoto! A “poça negra” devora, já que é na nigredo que o fogo inicia a transubstanciação do ser analógica aos metais, na busca do ouro alquímico, aqui refletora da individuação, do auto-encontro. Aliás, os efeitos já se fazem notar efervescentes em ti. Ai, ai, eu que o diga!!! Agora sei como chegaste ao tripé metafísico que incendeia meus miolos de pavor e fervor! Aqui, impressiona a profusão dos elementos iniciatórios da alquimia, os números, as cores, a animália numa cadeia cerrada de símbolos que pedem acurado desvendamento que aqui não posso fazer. "Doze budas", "sala circular" demarcam seu mergulho iniciatório na aventura íntima de desnudar-se e o fogo alquímico lança-te na aporia da revelação pelo intermédio cego do olhar da estátua que te penetra e presenteia feliz como um oráculo cifrado da Verdade. Os "cinco castelos", "os metais preciosos" subtraídos desde eras remotas anunciam a transmutação pelo negro e vermelho, pelos camaleões e serpentes entranhados na opus alquímica do ser. Os olhos reptícios revelam nobrezas em brilhos de ouro e prata, em espelhos luminosos, tornando mais amplificada a sua compreensão da diversidade dos olhares que se espraiam, mas, principalmente, o entendimento da Obra em ti. O metal simbólico do ouro alquímico perseguido pelos alquimistas evidencia a transposição espiritual que pode se operar nos imos do ser. O coração pesa quando percebe que a labuta alquímica apenas começou e que os trabalhos nos porões do ser são a mais complexa e delicada empresa humana. “Solitário na estrela” talvez por saber, vc prossegue na via alquimista dos labores, agora envolto no manto da valorização e guiado pela magia dos olhares, transpondo vivo a morte de quem viveu na mentira dos abraços. Os “cinco castelos” luminosos no desenho da parede sob seu toque são azuis, pois és já um iniciado. Vasta e complexa é a simbólica do cinco, mas aqui parece exprimir as possibilidades de atos da criatura e da individualidade no quinário dos castelos oferecidos. Os castelos em azul podem simbolizar a consciência, o desejo aceso, o projeto posto em andamento. “Camaleão de pedra com chave na boca”, “portas sem fechaduras” e “doze budas chorosos numa lágrima negra” de costas para os cinco castelos armam uma rede quase indecifrável pelo hermetismo da teia, mas vamos tentar, enigmas me devoram... Hehe As estátuas choram estranhamente no interior de uma lágrima, que se comumente é dor e intercessão, negra então talvez seja o abismo da impotência místico-religiosa na emblemática imagem dos 12 budas lacrimosos. Por que doze? Dada a riqueza no 12 na simbologia cristã (12 apóstolos, ciclo litúrgico do ano de 12 meses, etc), arrisco aqui uma inversão irônica pelo contraponto a crença budista em que o 12 não é tão expressivo. Talvez por isso chorem isolados da epifania que se promete nos enigmas confrontados dos 5 castelos, uma vez que o cinco no budismo é a perfeição integrada. Hehe Doze assinala também o fim de um ciclo involutivo, seguido pela Morte (negra na alquimia), que cumpre tomar o sentido de renascimento (vermelho na alquimia). Na tônica dominante da iniciação alquímica, impressiona a bipolaridade do camaleão - diurna e noturna – que reúne poderes e fracassos: demiurgo que fracassa em sua obra, permitindo que o homem se torne mortal, e animal cujos traços físicos servem de imagens para as lições do iniciador. Aqui, os traços do camaleão servem ao iniciado e, mais ainda, com uma chave na boca, aludindo a ação dificultosa a empreender, em suma às etapas que conduzem à iluminação e à descoberta. A porta, local de passagem entre dois estados, sem fechadura é a negativa exacerbada da facilidade do tentame, visto uma chave estar tão próxima. Porém, há portas de um reino quíntuplo castelar luminescentes de azul... Quem sabe uma destas portas se abra ao iniciado, amante dos nós, avesso ao senso comum e destruidor de toda e qualquer pseudo-ordem dita como terminal?? Hehe Exagerei, baby, mas o texto pede muito mais que esse esboço lacunar. Beijos da sua praga, agora elevada ao belo status de “trópico de capricórnio”, porém pronta para ser dissolvida a qualquer tempo. Hahahahhahaha

7:37 PM, dezembro 16, 2005  

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