Dia de Defuntos  
Sob a sepultura fria das cortinadas nuvens de horizonte a horizonte, eu silencio a agonizante meninice que fervia meu sangue até ontem.

Esse é um proclame de obituários, pois foi-se com a cor da manhã os meus mais efusivos discursos sobre a beleza da inocência, e sobre seus jardins em mim, sobrando agora os canteiros tristes de velas derretidas falando com os anjos que não resistiram à chama da esperança, e retornam ao escorrido e seco mundo dos sem vida, para assistir as pancadas absurdas que eu dei de dentro dos caixões, para cada valor velado.

Eu deito nessa cova rasa - colchões das últimas súplicas - o cadáver da minha fidelidade, do meu sonho em ressucitar minhas oportunidades finadas em podres carnes da procrastinação, ah! Eu peço a Deus, como quem ajoelha à frente da lápide, para devolver-me o sol nesse dia, diante de mim a luz de novos jardins, e de novas bravuras, para com o sorriso eu resgate meu amigo e meu amor, acendendo as correntes de mil velas, para encontrar o caminho de volta, seguindo o fogo que se concentra todo dentro de uma só capela, essa minha vontade de te ver de novo, e fazer que cemitérios não mais existam entre todos que tiveram o dom de por tudo morrer.

Mas escuto dEle Sua ladainha de tristezas iguais, pois-se Ele a olhar para o chão e ver a solidão vingar nos campos de parafina, esses mares de ingratidão e cores de nublados tempos, chorando todos, a angústia das pancadas nos ataúdes cardíacos, enquanto cismam-se de que a vitória não é mais possível, encantam anjos com a melancolia de lágrimas imortais pedintes de serem ascendentes,para suprir Deus como uma chuva ao contrário, da água que mostra em nós não termos mais vida, a dizer que estamos aqui procurando num labirinto sem fim, corredores de vermes truncados das lápides morais, tentando uma saída ao resplendor de seu abraço, do meu abraço, do nosso abraço.

Ah! Deus que me colocou aqui! Dou-te à seu epitáfio as flores de pétalas eternas, essas minhas desmedidas feridas, com toda a cor, permanêcia e secura das Sempre-Vivas.
10:38

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Velo contigo teus mortos, cadaveres e corpos, para que mesmo sozinho, teu tempo triste não seja solitário, para que mesmo nublado compreendas o sol...

11:30 AM, novembro 02, 2005  
Anonymous Anônimo said...

Um dos mais belos, meu Lorde! Tua arte ressoa em cada sintagma na dobradura infinita de sentidos e singularidades. O dia dos mortos parece coadunar com o estertor da agônica meninice. Ah, esse futuro que ainda não veio, o presente escasseado e o obituário de um passado de inocência fazem mais agudos os conflitos de orientação e ordenação num mundo avesso aos anseios de qualquer um. Os canteiros são também tristes de beleza por cada valor velado. É preciso aprender a extrair o belo da tristeza e do grotesco, ensina-nos Baudelaire, o arauto da poesia moderna no séc. XIX. Vc o sabe! Na cova em que deposita os cadáveres da fidelidade e dos sonhos, vc implora por novos jardins e bravuras, embora saiba que eles não tardarão. O rito compungido do eu contorcido, na ansiedade que almeja estar longe, além de toda a decomposição sentida e vivida, exprime o auge do embate temporal na lapidar construção do quarto parágrafo eivado de imagens coruscantes: ‘mares de ingratidão’, ‘cores de nublados tempos’, ‘pancadas nos ataúdes cardíacos’, onde todos choram lágrimas imortais de melancolia. Belíssimo! E o mais impactante é a abundância das lágrimas geradora de uma ‘chuva ao contrário’ expondo o paroxismo de um desamparo cósmico e absoluto. É como se Deus vislumbrasse o pranto humano, talvez impotente para socorrer a solidão aterradora da raça massificada e enredada nos labirintos de si mesma, de ‘tristezas iguais’. A interpelação final culmina na doação insólita de um epitáfio nobre, porém concebido nos moldes niilistas, afinal um epitáfio pressupõe morte, a morte de Deus no caso. Como agradaria Nietzsche, o semantismo das imagens sucede e encadeia uma beleza infinda e sincrônica para o epitáfio: ‘flores de pétalas eternas’ que são ‘feridas desmedidas’ da ‘permanência e secura das Sempre-Vivas’. O mundo labiríntico da dor lancinante que permanece rasgando o ser na metáfora da flor é dramático e descarnado. Parabéns! O saber da sua prosa poética me toca sempre pelas nossas verdades incompletas ditas de modo pleno e avassalador. Abraço forte, se eu achar e te encontrar na saída do labirinto! Hehe

3:31 AM, novembro 03, 2005  

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